quinta-feira, 30 de outubro de 2008
Que nunca mais esquecerei
Fechou os olhos e reviu: ele parou com a mão no ar, antes que o tapa alcançasse o rosto. O palavrão, que devia ter permanecido no fundo da garganta, foi lançado ao ar também, ferindo muito mais do que o tapa interrompido. Os olhos negros destilavam ódio. Sabia que nunca mais esqueceria o palavrão, o insulto. Doeria para sempre. Mais do que o tapa, certamente. Já tinha recebido outros tapas. Ataque verbal como aquele, nunca. Na hora, começou a chorar, por não saber o que dizer. Não era como tantas outras palavras que não ferem, que passam batidas pelos olhos. Era uma palavra aguda, cortante. Penetrou no fundo da alma. Para sempre. Até o dia em que não lembrasse mais. Aquele olhar, de quem não tem mais amor, era presença constante em seus sonhos, em seus devaneios. Fazia esforço para perdoar, para relevar, para esquecer. Não conseguia. Infelizmente. Gostaria de poder passar por cima, sim, de não guardar aquilo em um lugar tão secreto. Rancor? Não. Não era rancor. Mágoa, talvez. Só que eterna. E a cena se repetia em sua mente sempre que olhava aqueles olhos, agora envelhecidos e tristonhos, mas que um dia descortinaram tanta raiva e ódio.