domingo, 21 de março de 2010

Das histórias que não vivi

Quando sinto saudades do que nunca aconteceu, sinto saudades de ser pequena e de me apoiar no seu colo enquanto você me conta histórias fantásticas sobre um mundo mágico onde tudo acontece. Você me ensina a fazer uma dobradura, um truque, a dirigir, me conta uma história da sua infância. E eu olho, admirada. Presto atenção, sorvo cada palavra que sai da sua boca. Meus olhos brilham. Acho que você percebe e sorri.
Nós dois sabemos que isso nunca aconteceu. Temos um acordo implícito que nos impede de comentar sobre isso. Mas é verdade. Você não me ensinou a dirigir, nunca fui pequena no seu colo, não lembro de nenhuma história fantástica. Estaria mentindo entretanto se dissesse que você nunca me ensinou um truque de mágica. Uma das lembranças mais ternas que guardo da gente é de uma vez que brincamos de mágico. Você me ensinou a fazer os objetos aparecerem! É sério. Eu não sabia como fazê-los sumir (você se encarregava dessa parte difícil da mágica) e só precisava fazer com que aparecessem. Talvez você nem lembre mais disso.
Não sei se vou poder corrigir seus erros. Não sei se poderei ou mesmo quererei te dar um neto para você mesmo tentar corrigir suas falhas. Esse pensamento me dá medo, ansiedade, curiosidade e angústia. Não é hora de refletir sobre isso. E, no fim, é impossível resgatar o que não vivemos. Então hoje eu lembrei desse dia que nunca aconteceu: nós dois conversando no sofá domingo, eu recostada olhando admirada enquanto você me contava uma história impressionante, fazia uma dobradura, dizia que me ensinaria a dirigir... O truque de mágica, desse eu lembro. Isso foi real.