quinta-feira, 25 de outubro de 2007
Meus filhos
Preciso dormir, mas antes quero vomitar essas palavras que reviram meu estômago. Palavras sem nome, sem sentido, sem direção. Preciso arrancá-las, todas, uma a uma, ao mesmo tempo. Quero dormir, fechar os olhos e deixar a serenidade me alcançar. Mas, como numa chuva de vaias e de canivetes, elas, as palavras, não me deixam em paz. As idéias das palavras, que são fetos de palavras, me tomam de assalto, pedindo um útero. Logo a mim, que sou estéril. E dou à luz palavras tortas, defeituosas. Mas amor de mãe é incondicional, e eu abrigo todas elas no meu seio e as amamento. Quero todas para mim, ciumenta que sou. Mas elas me irritam, me tiram do sério, me pedem colo, me pedem comida. Eu não posso dar mais do que isso. Eu agora quero colo, quero sono, quero cama. O silêncio, o nada, o papel em branco sem caneta, nada de idéias, nada de palavras. Preciso abortá-las todas, uma de cada vez e entregá-las à morte, ao sono, ao silêncio. E ajoelhar-me, pedir clemência, por favor, não apareçam nos meus sonhos. Esses eu quero como cinema mudo. Black&White, só sorrisos, só mímica. Só. Acordar vazia de palavras, de idéias. O estômago, o útero, a alma, a boca vazios.