sexta-feira, 5 de julho de 2013

manual para não deixar de ser você mesmo

Acorde e coloque os pés no chão. No chão.
Cuidado para não deixar seus pensamentos caírem quando você debruçar na janela.
Ao acompanhar, dessa mesma janela, o voo de um pássaro, inseto, nuvem, controle o movimento do seu olhar. Não permita que ele ultrapasse os limites desenhados por você, para você.
Escolha uma senha para seu email que te faça lembrar dos seus parentes mortos, do seu animal de estimação da infância, do seu grande amor.
Coma só as coisas que você gosta. A possibilidade de uma nova experiência te frustrar é suficiente para descartá-la.
Não tropece, não olhe para o lado, não coma borboletas, não escreva um poema.
Mantenha os músculos tensionados. O dia inteiro. E à noite também.
Não altere o ritmo da sua respiração. Suspirar pode ser prejudicial às compassadas batidas de seu fraco coração.
Foco e concentração ininterruptos trarão a paz que você tanto procura.
Para você não deixar de ser quem você é.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

lugares (-) comuns

a imprensa no brasil é interessada e tendenciosa. falar mal da imprensa é lugar-comum. então aceitemos a imprensa como ela é. brasileiro é apático e conformista. e não fala mal do jornalismo porque é apático ou porque tem medo do lugar-comum. é lugar-comum dizer que brasileiro é apático e conformista. é antes de tudo reducionista. ir para a rua protestar, manifestar é lugar-comum. mas é coisa de povo apático? tomar porrada de policial é lugar-comum. a polícia no brasil é corrupta. a imprensa é tendenciosa. e mesmo assim nós vamos para a rua. tomar porrada da polícia, aparecer no jornal como vândalos depois de reagirmos apaticamente aos cavalos tiros escudos bombas. o brasil é lugar comum de corruptos, apáticos, conformistas e a imprensa.

domingo, 21 de março de 2010

Das histórias que não vivi

Quando sinto saudades do que nunca aconteceu, sinto saudades de ser pequena e de me apoiar no seu colo enquanto você me conta histórias fantásticas sobre um mundo mágico onde tudo acontece. Você me ensina a fazer uma dobradura, um truque, a dirigir, me conta uma história da sua infância. E eu olho, admirada. Presto atenção, sorvo cada palavra que sai da sua boca. Meus olhos brilham. Acho que você percebe e sorri.
Nós dois sabemos que isso nunca aconteceu. Temos um acordo implícito que nos impede de comentar sobre isso. Mas é verdade. Você não me ensinou a dirigir, nunca fui pequena no seu colo, não lembro de nenhuma história fantástica. Estaria mentindo entretanto se dissesse que você nunca me ensinou um truque de mágica. Uma das lembranças mais ternas que guardo da gente é de uma vez que brincamos de mágico. Você me ensinou a fazer os objetos aparecerem! É sério. Eu não sabia como fazê-los sumir (você se encarregava dessa parte difícil da mágica) e só precisava fazer com que aparecessem. Talvez você nem lembre mais disso.
Não sei se vou poder corrigir seus erros. Não sei se poderei ou mesmo quererei te dar um neto para você mesmo tentar corrigir suas falhas. Esse pensamento me dá medo, ansiedade, curiosidade e angústia. Não é hora de refletir sobre isso. E, no fim, é impossível resgatar o que não vivemos. Então hoje eu lembrei desse dia que nunca aconteceu: nós dois conversando no sofá domingo, eu recostada olhando admirada enquanto você me contava uma história impressionante, fazia uma dobradura, dizia que me ensinaria a dirigir... O truque de mágica, desse eu lembro. Isso foi real.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Frases soltas insones

É tanto medo, tanta análise, tanta apreensão, que eu paro. Já são cinco dias de insônia. Parei de tudo pelo visto, inclusive de dormir. Não aguento mais. Pareço uma máquina de pensar e evitar pensamentos. Constantemente. Penso, tento não pensar. Penso em tentar não pensar e penso que estou tentando e então eu penso. Estou refém de um sentimento que não sei nomear, mas apelidei de medo. Fico olhando para ele, durante horas, esperando que ele me diga quem é. Mas nada acontece e eu não durmo. Mais uma noite. A luz do quarto acesa, a colcha revirada. Para piorar a internet está superlenta. Não posso mais com isso. Preciso voltar ao normal. Meu corpo precisa entender que não é mais carnaval e que, no fundo, não há nada a temer. Não posso perder algo que nunca tive.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Não eu

Sem você, passo mais um dia que parece um ano, que parece um monstro, que parece um não. A madrugada se aproxima e com ela o fim da tortura. Envolta na neblina do fim da noite, consigo esquecer, consigo relaxar, consigo não pensar. Os pequenos passos me levam até meu quarto. Aguardo o fim de mais um noite sem fim. Minha maturidade escondida no fundo de uma gaveta que quase nunca é aberta. Pensamentos vão e voltam, e esse movimento embala meu sono. Acordo sem você. Um monstro atrás da porta me aguarda. Mais um dia. Visto uma fantasia e vou para a rua, fingir que suporto. Não, não suporto. Você poderia ver nos meus olhos que é demais para mim. Mas eles não veem. Acham que estou bem, madura, resolvida. Decidi não parar de tomar o remédio. Quero enfrentar essas novas situações envenenada, alheia. Um não eu, para um não dia. Um quase eu, para um quase dia.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Algumas palavras compassadas

Não consigo não lembrar. Se faz impossível não pensar. As imagens vêm. Martelando. Incessantemente atrás dos meus olhos. A cada página. A cada letra. Riscos nos papéis não me deixam esquecer. Ritmada. A lembrança. Frequente. Insistente. Mas não me incomoda. Só me desconcentra. A todo minuto. Quente. Surpreso. Pleno. Medo de me importar demais. Não posso ser pega assim de surpresa. Ai, minha concentração, meu trabalho. O toque. A noite. A manhã. A madrugada se transformando em dia. As horas na sua presença se esgotando. Não estou imune a essas lembranças. Mas não posso me deixar levar pela vontade de transformar meus desejos em realidade.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Atrasadas

As primeiras lágrimas vieram pesadas, borradas, cinzentas. Tinham o gosto da cerveja e o cheiro do cigarro. Acompanharam um pensamento meio concreto meio vago de que você pode ser a pessoa de que gosto, de que não há mais ninguém, de que a solidão me espera para uma longa caminhada. Elas eram duras e não caíram com facilidade. Minhas lágrimas, não adianta forçá-las. Essa dor na garganta, esse aperto no peito, demoraram a chegar. Mas eram visitas previsíveis, e apareceram. Choro e sinto a dor que não veio na hora certa. Diluo no dia de hoje os dias e as noites que te esqueceram no fundo do copo, no resto das cinzas, no rosto mal lavado. Você merece mais do que uma ressaca.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Submundo

São 23h40. O casal apaixonado decidiu que o vagão do metrô é um lugar adequado para as preliminares. O rapaz ao meu lado acha que estou olhando para ele. Na verdade, olho o vidro (ou seria plástico, acrílico) da janela (isso aqui é uma janela?) para poder observar o casal pelo reflexo. Um integrante do casal coloca a língua na orelha do outro integrante, a cena é de puro desejo. Acho que os invejo. O garoto - ele não deve ter mais do que 25 anos - olha furtivamente para mim. Ele realmente acha que eu estou olhando para ele. Minha vontade é falar: "cara, olha para o outro lado. O casal está trepando no metrô." Mas ninguém repara. Umas pessoas iniciam o sono, outras, em grupos, conversam baixo. Eu e o rapaz somos os únicos sozinhos e acordados. Gosto do submundo à noite: dos ruídos, das pessoas que o frequentam, da iluminação, dos motivos que trouxeram essas pessoas aqui. Será que o casal está indo para um motel em outro canto da cidade? Será que eles estão voltando de uma festa? Será que eles são casados ou se conheceram agora? E ele puxa delicadamente o cabelo dela pela nuca e beija sua boca. Sim, eu os invejo. E o garoto? O que faz no metrô a essa hora? Voltou da casa da namorada? De um bar? Está indo para casa? Onde ele mora? Eu às vezes esqueço que minha presença ali é tão passível de perguntas quanto a deles. Mas como saber se eles não são uma ilusão minha, um delírio? Como ter certeza de que não sou a única a existir nesse mundo e nesse submundo que eu criei? Meus personagens se levantam, aguardam a porta do vagão abrir. Vão todos embora. Eu também vou embora. Eu vou para casa. Ainda tenho que pegar um ônibus. Sinto um desejo enorme de ser notada, assim como noto as pessoas. Observada, discutida, analisada. Desejada, quem sabe. Mas o ônibus chega na porta da minha casa, e a noite acaba. Os personagens, caso existam, continuam a desenvolver suas histórias. A minha, hoje, acaba nessa cama, sozinha.

Pega de surpresa

Você me abraçou. Duas vezes. E logo hoje que eu não arrumei o cabelo, que o rímel estava borrado, que o dia não nasceu direito. Queria ter sido capaz de ouvir, mas minha ansiedade passou como um bloco de carnaval por cima das palavras, das minhas e das suas. O que eu vi em você? Será que você vê algo em mim? A forma ou o conteúdo. Não importa. Para mim importa: forma e conteúdo. O dia hoje foi péssimo. E não deu tempo nem de dar uma olhadinha no espelho antes de você aparecer.
Ontem eu tinha passado o dia esperando uma ligação sua e não consegui dormir. Uma sinal, um contato qualquer, só para que eu pudesse fechar os olhos e sonhar com suas letras. Mas você nem surgiu na minha tela. Achei que não estivesse mais na cidade. Repassei as histórias: as que eu vivi e as que não são minhas. Seu sorriso paradoxal me trazia uma calma e um desespero, um alívio e um desajuste. E aí hoje você surgiu, como se brotasse do chão, tal qual flor, tal qual fogo. Suave nos modos, destruindo minha retidão de caráter. E logo hoje que eu não arrumei o cabelo. O dia hoje foi péssimo.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Nos corredores daquele castelo

Eu te amo como se nada no mundo houvesse para ser amado, como se minha existência não tivesse outra razão a não ser de amar-te. Vamos embora daqui agora. Tu és meu objeto único de amor e adoração. Permita-me venerar-te até o fim dos meus dias. Eu observo teus passos, tua silhueta, sinto teu cheiro e tua louca vontade de fugir. Então apronte-te. Já é quase meia-noite. Os pássaros já foram dormir e restaram apenas os animais noturnos a nos espreitar detrás de moitas, aguardando para de assalto devorar nosso amor eterno. Sejamos rápidos. Sou tua, como segredos que guardas no fundo da mente. Sou tua como são teus os pés que te trazem aqui. Não há o que temer, a não ser a distância entre aqui e amanhã. Pode ser tarde quando o dia nascer.