Estava na fila. Com um gesto deliberado, pensado meticulosamente de forma a parecer casual, passou a mão pelo rosto. Ela não notaria. A fila estava grande naquele dia, e ele preferiu chamar atenção da moça conversando com o senhor a sua frente. Que absurdo! Sempre cheio! O Brasil! Um absurdo! Desrespeito. Obviamente encontrou coro em todos os ocupantes da fila, que parecia ter triplicado aquele dia. Mas a moça não. A moça nunca se misturaria àquela horda de reclamões.
Já não se lembrava quando foi a primeira vez que ela apareceu. Foi em um dia sem fila, disso estava certo. Um dia em que o sol brilhava na sua bolsa verde com detalhes prateados. A luz refletiu em um daqueles detalhes e veio parar em seus olhos, chamando a atenção dele para ela. Foi o suficiente. Daquele dia, que não sabe bem quando foi, em diante, a moça se tornou o motivo de seu despertar.
Ela não era linda, não era magra, não era alta, não era loura. Ela tinha aquele jeito indiferente, de quem entra na fila sem saber exatamente o porquê. Suas mãos dançavam com a música que tocava em seu pensamento. Seu olhar vagueava por entre os galhos, por entre as pessoas, por entre as frestas. Como se tudo tivesse o mesmo valor. Não se encostava, não sorria, não dava bom-dia. Estava ali sem estar. Tinha certeza de que à moça não faltava educação. O fato de não ser simpática não significava antipatia. A moça não pertencia àquele mundo de fila, pessoas, bocejos, reclamações. A moça era de um mundo onde tudo tem o tempo e o espaço do infinito.
Um dia decidiu que atrairia a atenção da moça. Não estava certo ainda de como procederia. Não tinha estratégias nem planos. Passar a mão no rosto foi a primeira tentativa frustrada. Conversar com o senhor a sua frente foi intuição. Um esboço de um plano. Um salto no escuro. Um quase-não-pensamento. Mas como se tudo já estivesse desenhado por outras mãos, ao comentar sobre o tamanho da fila com o senhor, a confusão começou.
E ele então notou que a moça se afastava. Lentamente. Com os passos de quem pisa em nuvens. Foram três. Para trás. Ele a seguiria. Era sua chance. No caso dele, seriam sete passos para frente. Estava agora a setenta e dois centímetros da moça. Respirou. Uma respiração de quem perde o ar, de quem não precisa mais de ar. Não pensou e disparou. Oi? Confusão, né? Como resposta um sorriso displicente.
Ah! Mas que sorriso. Tinha certeza de que a moça nem ao menos o escutara. Mas sorrira de volta, respondendo aos múrmurios de sua voz. Seu corpo vibrou. Ele já tinha planos para o dia seguinte.