sábado, 26 de abril de 2008

Reencarnação

O punhal foi bem fundo. Como talvez nunva tivesse ido. Foi proposital. Entrou lento, sangrando. Foi tirado rapidamente. Ela prestou atenção em cada nota dissonante da dor. Dor essa que não foi do corte, do ferimento, era uma dor preexistente. Fazia parte da alma.

O punhal em cima da mesa, o sangue escorrendo pelo chão. A morte era tão certa quanto o renascimento. Ela morreu para ressuscitar. Para que o mal daquela vida fosse embora. Reviver, outra, nova, sem passado preso aos tornozelos, sem grilhões. A segurança da redenção. Chorou até cegar-se. Cada lágrima, um caco de vidro em seus olhos. Medo, não. Não havia mais medo. Dor, sim. Sempre.

E agora, a espera. Esperar para que toda a dor seque, como secará o sangue no ferro do punhal. Aguardar para que o olhos, não mais nublados por ilusão e lágrimas, possam ver a verdade. O coração, não mais rasgado pelo punhal, sinta algo diferente de dor.

terça-feira, 22 de abril de 2008

A verdade sobre o amor

Eu disse que desconheço o amor. Eu menti. Eu conheço o amor, sim. Ele me traiu, me deu um tapa na cara e me chamou de vagabunda. Ele me disse palavras bonitas, me iludiu e me abandonou. Ele não me respeitou, não me deu a mão quando eu precisava, não voltou para me consolar. Se eu menti que não o conheço foi somente para evitar de encontrá-lo novamente.

A verdade é que eu não acredito mais no amor. Talvez eu até tenha medo dele.

Agradecimento

Eu devo a você o dia que eu não morri, o balde de lágrimas que eu não enchi, a caixa de lenços de papel que eu não gastei. Aquela risada hesitante, aquele suspiro de alívio, aquele pensamento racional. A você eu devo o raio de esperança que entrou no meu quarto hoje de manhã. Obrigada.

domingo, 20 de abril de 2008

And the Oscar goes to...

Talvez me acusem por participar da minha vida, por querer ter o papel principal, por transar com o diretor, casar com o coadjuvante, beber com o cameraman e ser amiga da vilã.

Eu teimo em achar que o filme dos outros é melhor. Olho e vejo roteiros mais emocionantes que o meu. Mas, analisando cautelosamente, são todos figurantes do meu filme. Seus personagens não têm história. Eles fazem parte de um elenco de apoio de quinta. Eu sou a diva. Tragam-me cento e três toalhas brancas com meu nome bordado no canto superior esquerdo. Apareço nos tablóides do mundo inteiro. Às vezes paro e penso como seria a trilha sonora. Acho que escolheria um só cantor. Quem sabe uns três. Mas não seriam muitos. E as músicas precisam ter letra. Música instrumental sucks. Não serve nem para beijo romântico no final. Ademais, meu filme não terá final feliz. Mas quem se importa? Meu filme não terá final at all. Está decidido. An endless movie. Serei produtora executiva do meu filme. O produtor é aquele que manda, pois é quem tem o dinheiro. Escolherei todo o staff. Meu filme será épico, atemporal, clássico, thriller.

A estante está montada. Que venham os prêmios

Razões para beber

Não vou me definir, porque hoje me descobri assim desde que nasci. Cansei de tentar me explicar. Cansei de pensar que sou de outro jeito que não esse. E, por meios tortos, me encontrei em mim mesma depois de anos. Nem percebi que nunca havia saído daqui. Não mudei, não era outra, nunca deixei de ser eu. E para os que tentam descobrir outra pessoa nesta que vos fala, digo que não há, nunca houve, nunca haverá. Não existe assunto sobre o qual eu não possa conversar, não há coisa no mundo que eu não queira conhecer. Há motivos de sobra para sorrir, existem ainda muitos lugares para ir. Amigos, corpos, línguas, sorrisos, garrafas. Tenho o suficiente. Nem mais nem menos do que mereço. E tudo tem seu tempo. Não acredito nem desacredito no amor. Só o desconheço. Nada mais me amedronta. Vida pela frente? Não sei. Sei que atrás há um bocadinho de vida vivida. Razões para beber? Todas. Livre-me do dia em que não as houver.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O que fazer quando se está afogada em dor:

Ler um livro
Ligar para sua melhor amiga
Convidar seu paquera para ir ao cinema
Estudar francês
Arranjar mais um compromisso para a quinta à noite
Brigar com seu ex
Aceitar um freela
Esquecer de ir à terapia
Pensar na sua avó, que você não visita há séculos
Cuidar das plantas
Fazer um dos freelas
Bater papo na internet
Ouvir música
Analisar como seu rosto está envelhecido
Dançar
Fazer finalmente o álbum de bodas dos seus pais
Arrumar seu quarto
Listar seus maiores desejos
Procurar hotéis para sua próxima viagem
(E a lista poderia ser interminável)
(Mas, na verdade, tudo o que você quer é)
Pedir socorro

terça-feira, 8 de abril de 2008

Primeiro de muitos que vieram

Você é lindo de um jeito que não há como descrever. É uma beleza que ultrapassa a tela, o papel, a luz, a cor. Posso lembrar o toque do seu sorriso, o som da sua alegria. Sua beleza é metafísica, é transcendente. Você escapou, não por entre meus dedos, você foi embora através da minha carne, sem que me desse conta.

domingo, 6 de abril de 2008

Eu sou uma assassina de maçãs

Estou sozinha. Não daquele tipo de sozinha que se compra tamanho único. Sozinha customizada. Um sozinha só meu e tão do meu tamanho que não aperta nem está folgado. Uma solidão que me cai bem. Ninguém nem diz que estou usando. Estou sozinha e ninguém repara. Não sei se posso tirar essa solidão de mim. Há tempos ela se ocupou do meu corpo, da minha alma, dos meus braços, dos meus pensamentos. E é tão confortável e tão conveniente, que talvez não seja adequado tirá-la agora.

sábado, 5 de abril de 2008

Culpada ou inocente

Nada do que eu disser poderá ser usado contra mim. Nada do que eu disser será usado. Nada do que eu disser. Eu falo muito. Tudo o que eu disser será usado contra mim, vez ou outra, inevitavelmente. Tudo o que eu digo é usado, é descartável, é de segunda mão. Eu tenho o direito de manter-me calada. Calada, a fim de evitar outras tragédias. A fim de não piorar sua situação. Eu nunca fico calada. Minha missão na Terra é prenunciar tragédias, é causá-las, a mim e aos outros. As situações são ruins por si só. O fato de eu falar ou ficar calada não as pioraria. Eu tenho o direito a um advogado. Alguém que me defenda, de mim mesma se for preciso. Alguém que queira me salvar. Principalmente, que me ensine como sair dessa tragédia em que eu me meti.

Eu juro dizer a verdade e somente a verdade, acima de todas as coisas. Juro pela Bíblia? Juro pela minha mãe? Eu não juro por ninguém. E logo agora que eu queria usar o direito de ficar calada, obrigam-me a dizer a verdade, nada além da verdade. O que há além da verdade? A mentira? A verdade mais pura e mais real? Alguém já foi lá? Quem é a verdade? Podemos ver o que há além da verdade através dela? E cadê o advogado? Chamem as testemunhas. Não, não as que vão testemunhar contra mim. As testemunhas a meu favor. Por favor. Como? Não há testemunhas a meu favor?

Eu fui considerada culpada. Culpada. Cheia de culpa. Presa por te usado minhas palavras. Por ter feito delas minha arma, meu instrumento de tortura contra mim mesma. Minha tortura é um crime para os outros. Minha tortura é a tragédia pessoal do mundo. Tudo o que eu disse foi usado contra mim mesma. Tudo que eu disse foi usado. Defendi-me sozinha.